segunda-feira, 3 de maio de 2010

Mãe

Um pedaço de pele
seboso e encarquilhado.
Um crânio a latejar
rosado, sem cabelo.
Sobretudo uma boca
a ânsia de beber
o teu mamilo inchado
oferto, todo meu.
Sobretudo o desejo
do teu vulto inclinado
carregado de aromas
carregado de espanto
a inventar
no meu olhar aguardo
uma réstea de mar
uma nesga de céu.


Como pudeste amar-me
despótica que eu era
apática neurótica
a exigir-te o corpo
os rins o seio o sono
a exigir-te a voz
o tempo as mãos a boca.


Como pudeste amar-me
a pesar-te no ventre
a dar-te pontapés
a pedir o teu sangue
a fazer-te gritar.
Como pudeste amar
conceber-me insurrecta
a parir-me poeta
ao fim de tanta dor.


Minha amante secreta
Meu barco na memória
razão da minha história
o meu primeiro amor.


Rosa Lobato Faria

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